Entrevista com Luiz Velho

1. Qual é a melhor plataforma para se trabalhar com computação gráfica? (SGI?)

É difícil julgar uma plataforma como a melhor. A Silicon Graphics, pioneira na computação

gráfica interativa, já não é mais vista como líder do mercado de equipamentos da área. Na

SIGGRAPH 2003, principal conferência internacional de computação gráfica, a empresa não

montou nenhum stand de exposição de novos produtos, o que retrata bem o momento atual.

Em termos de equipamentos, a revolução mais recente ocorreu com a introdução das placas

gráficas programáveis para PC, que tem baixo custo e permitem a geração em tempo real de

efeitos especiais e visualização foto-realista 3D. As empresas que estão na vanguarda dessa

área são a NVidia e a ATI.

A plataforma baseada em Windows conquistou o mercado 3D, graças em parte, à estratégia de

Bill Gates, que na época em que os sistemas 3D eram desenvolvidos apenas para SGI, comprou

a empresa Softimage, e investiu no desenvolvimento de aplicativos 3D para o ambiente

Windows, impulsionando o mercado em sua direção. Com o uso mais popularizado da

computação gráfica – jogos, softwares 3D, etc. – a Microsoft tem grande vantagem, devido ao

monopólio do setor de informática.

Atualmente, os grandes estúdios de animação e efeitos especiais, como a Pixar, a Industrial

Light and Magic e a Pacific Data Images, estão adotando plataformas baseadas em Linux, pelo

seu excelente custo-benefício.

A Apple permaneceu muito tempo projetando para o ambiente bidimensional. Esse é um dos

motivos que faz da linha Macintosh uma boa plataforma para o design gráfico 2D e para edição

de vídeo digital.

Para determinar qual a melhor plataforma para trabalhar é necessário saber exatamente a

finalidade do uso do equipamento. No Laboratório VISGRAF, temos vários tipos de equipamento

e plataformas: SGI, Mac e PC, a maioria rodando Linux.

2. O Brasil tem investido em pesquisa nessa área? Em matéria de qualidade e

capacidade de equipamentos/máquinas, nosso país perde muito para outros países?

O Brasil é sem dúvida o país mais avançado em computação gráfica da América Latina. Uma

indicação desse fato está na presença destacada de pesquisadores brasileiros em congressos

internacionais, apresentando trabalhos de alto nível. Por exemplo, o VISGRAF têm contribuído

sistematicamente para a conferência SIGGRAPH. Este ano, fiz parte do comitê do programa,

ministrei junto com Paulo Cezar Carvalho, o curso “Mathematical Optimization for Graphics and

Vision”, além de apresentar um artigo técnico entitulado “Synthesis of Progressively Variant

Textures on Arbitrary Surfaces”. Esse trabalho foi desenvolvido em colaboração com Baining Guo

e Harry Shum da Microsoft Research Asia, onde recentemente passei três meses como

pesquisador visitante.

Devido à qualidade dos trabalhos, temos conseguido incentivos do governo e também de

empresas privadas brasileiras. Algumas áreas são mais privilegiadas, como o vídeo digital,

enquanto outras poderiam ter maior investimento, por exemplo: as aplicações gráficas voltadas

para a área médica.

3. A formação matemática é essencial para um bom profissional de computação

gráfica?

As pessoas se assustam bastante com a palavra “matemática”. A Matemática é fundamental

nesta ou em qualquer outra área do conhecimento – até mesmo nas ciências humanas (a

filosofia por exemplo exige um pensamento lógico e fundamentado). O que importa saber é qual

o nível de formação matemática necessário para se trabalhar com computação gráfica. Isso

depende da área de atuação do indivíduo, que pode ser uma de três:

- Usuário de aplicativos gráficos – precisa de conceitos básicos e intuitivos para poder

explorar plenamente o potencial das ferramentas gráficas.

- Desenvolvedor de sistemas gráficos – deve ter conhecimentos sólidos de Matemática

Aplicada e Ciência da Computação que permitam criar programas corretos e eficientes.

- Pesquisador de Computação Gráfica – necessita ter o domínio de uma matemática

sofisticada para promover o avanço do estado-da-arte.

A computação gráfica é uma área muito interdisciplinar. Por isso, um bom profissional deve

estudar também outros campos do conhecimento, como a física, a biologia, comunicação, etc.

4. Já é possível criar a ilusão perfeita da realidade (realidade virtual) através de

simuladores (óculos, ambientes 3D etc.)?

O ponto-chave da pergunta é a palavra “ilusão”. Atualmente já é possível iludir nossa percepção

e convencer muito bem o espectador (por exemplo, no filme “Matrix Reloaded”, identifique quais

personagens são reais?).

Nesse sentido, existem duas linhas de pesquisa: uma que cria a ilusão com uma simulação física

do mundo real, que aplicando modelos complexos como o da propagação da radiação

eletromagnética, e outra, fenomenológica, que se baseia na percepção humana, sem um

compromisso com o modelo físico. Podemos nos aproximar da perfeição quando unimos essas

duas metodologias.

5. De que maneira sua formação como designer pela ESDI contribuiu para seu trabalho

em computação gráfica?

Cursei Desenho Industrial na ESDI, em paralelo ao curso de Informática na PUC, onde adquiri

conhecimentos em Ciência de Computação. Desde essa época, estava determinado a unir

expressão gráfica com processamento computacional. Subseqüentemente, descobri que isso era

uma nova área que estava surgindo: a Computação Gráfica. A formação como designer

certamente contribuiu decisivamente na minha carreira como pesquisador de computação

gráfica.

6. Fale um pouco do Visorama. Como surgiu o projeto? Em que estágio está?

O projeto Visorama faz parte de uma pesquisa multi-disciplinar e multi-institucional, fruto da

colaboração entre o Laboratório VISGRAF do IMPA e o grupo N-Imagem da Escola de

Comunicação da UFRJ. O Visorama é um sistema de realidade virtual que se aplica às áreas

técnica, pedagógica e artística. Tem uma interface bastante natural e intuitiva – um binóculo.

Esse tipo de interface homem-máquina impede que a ilusão seja rompida facilmente, já que o

observador não pode tentar tocar os objetos virtuais.

Os binóculos podem ser usados para turismo histórico ou cinema interativo. Atualmente, o

projeto tem dois aparelhos, mas pretendemos construir muito em breve um novo protótipo com

vários aperfeiçoamentos técnicos e maior funcionalidade.

7. Você vê a possibilidade de se criar uma realidade virtual 3D na internet?

A Internet certamente vai mudar. Hardware e software estão evoluindo e permitirão essa

mudança, que não necessariamente envolve a terceira dimensão.

Para tal mudança, o ambiente virtual tem que ser mais natural, mais simples e principalmente

mais direto. A ilusão deve resultar em um acesso tão bom quanto o que temos nas operações

realizadas no mundo real.

Uma questão muito importante, que vem sendo estudada também por pesquisadores do IMPA, é

a questão presencial. Para interagir no mundo virtual com outras pessoas, é importante que as

interfaces sejam inteligentes a ponto de aumentar ao máximo a sensação de presença de outros

seres humanos.

8. Com o avanço da computação gráfica, os jogos têm sido cada vez mais elaborados

visualmente, aproveitando todos os recursos dos softwares 3D. Você não acha que

diminuiu muito o investimento na criatividade e originalidade, gerando uma disputa de

recursos visuais?

Certamente há uma grande ênfase nos efeitos visuais, que se estende para o cinema e para a

televisão. No entanto, o que realmente atrai o público é a união entre a inovação e o conteúdo.

Não basta encher os olhos do espectador com imagens simplesmente bonitas, isso isoladamente

pode tornar o jogo (ou filme) cansativo e desinteressante.

9. Você acha que o mouse ainda vai sobreviver por muito tempo como interface nas

mãos dos profissionais de computação gráfica? Já existe alguma interface que

reproduza melhor o aspecto tridimensional no momento de criação (ao estilo do filme

"Minority Report")?

O mouse sobrevive porque é uma interface muito simples. Funciona muito bem com os

monitores atuais nos sistemas de janelas, que são interfaces gráficas projetadas para ele.

O conjunto mouse-monitor permanece enquanto o ambiente do computador utilizar o chamado

desktop paradigm”. Nele, toda a interface está voltada para reproduzir o espaço e objetos

relacionados a uma mesa de escritório (pastas, arquivos, fichas, etc). Quando houver uma

mudança de paradigma, haverá uma inovação na interface com o computador.

Por exemplo, se quisermos utilizar um grande mural como equipamento de visualização gráfica,

o mouse não será mais apropriado e, provavelmente, dará lugar a uma interface com luvas e

sensores. A pesquisa nessa área já está bem desenvolvida e em breve veremos grandes

mudanças.

10. Os métodos (truques) tradicionais de animação são usados na animação

computadorizada?

Sim. Os profissionais de animação tradicional que começaram a trabalhar com animação por

computador empregam os métodos clássicos do desenho animado com algumas adaptações. Nas

grandes empresas como a Pixar e a Pacific Data Images, muitos animadores vieram da

animação tradicional. John Lasseter, vice-presidente da Pixar, e diretor do filme “Toy Story” que

ganhou o primeiro Oscar de animação, iniciou sua carreira como animador na Disney.

11. Qual o futuro da computação gráfica? Em que campo se tem investido mais em

pesquisa?

A computação gráfica tem unido pesquisas que objetivam novas interações com o computador.

A Microsoft Research – núcleo de pesquisa muito conceituado na área – investe atualmente em

tecnologias que envolvem novas mídias e modelos de comunicação.

No campo do desenvolvimento de software, muitos pesquisadores estão voltados para a

programação de placas gráficas. Essa tecnologia tem avançado de maneira surpreendente,

gerando ótima qualidade e baixo custo.

Os grandes pesquisadores de Computação Gráfica trabalham moldando uma nova mídia. É muito

importante que tenham consciência da responsabilidade desse trabalho.